PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR

OS EFEITOS DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA NO REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR
Paulo Cesar dos Santos

Técnicos e especialistas brasileiros estão discutindo, de forma intensa, a proposta de reforma do sistema de previdência brasileiro. A proposta, “prá lá de polêmica”, tida por alguns como exagerada, vem suscitando debates acalorados, muitas vezes desprovidos de técnica, enxergando apenas interesses corporativos, políticos e o apelo emocional de muitos.

O fato é que a proposta sugere a aplicação dos conceitos constitucionais de equilíbrio, segurança e sustentabilidade ao sistema de previdência, quando preserva direitos adquiridos, harmoniza as regras de acesso, aplica regras de transição e busca tratar todos os trabalhadores brasileiros de forma equânime, não só nos direitos, mas também na responsabilidade pelo financiamento do sistema cujo ônus recairá sempre sobre os atuais e futuros trabalhadores e na sociedade.

“Deve-se temer a velhice, porque ela nunca vem só. Bengalas são prova de idade e não de prudência”
(Platão)

Alguns, em especial as corporações e os grupos mais bem organizados, utilizam da ignorância e da aversão à mudança para obter o apoio da sociedade, pouco e mal informada, que não sabe que seus filhos e netos serão os responsáveis, direta ou indiretamente, por financiar o custo do sistema e dos pretensos direitos das castas e corporações atuais.

Grande parte da população não tem a compreensão de que o Estado não gera dinheiro para arcar com as despesas, quaisquer que sejam elas. Ele arrecada impostos, contribuições e taxas de toda a sociedade, diretamente pelo tributo que cada um dos cidadãos paga ou indiretamente pelos tributos que incidem sobre os produtos e serviços que todos consomem no seu dia a dia, nos alimentos, no transporte, nos remédios, no vestuário, etc. É daí que vem o recurso que todos os entes da administração pública utilizam para cobrir os custos dos sistemas de previdência públicos. Assim, o recurso consumido com o sistema de previdência certamente desfalcará outras despesas e investimentos vitais para a vida em sociedade.

Mas é fundamental deixar claro que o que está ocorrendo não é culpa dos trabalhadores, aposentados e pensionistas, que nada mais fizeram do que se submeter às regras vigentes, pois os regimes públicos, como já foi dito, são obrigatórios, mas fruto de vários fatores de ordem demográfica (longevidade e baixa taxa de reposição da população) e de ordem econômica (emprego e renda).

Assim, a conjugação dos efeitos negativos desses fatores determinou um desequilíbrio nas contas previdenciárias, cuja recomposição dessa condição não pode ser feita apenas pela aplicação de pesado ônus às futuras gerações de trabalhadores e, em última análise, à sociedade como um todo. Uma das consequências disso, como tem sido visto, é a desestruturação econômico-financeira dos entes federativos que, como decorrência, deixam de prestar os serviços públicos básicos e conduzem outros também importantes de forma precária.

Diante desse contexto, o projeto de reforma em discussão indica alterações que geram impactos nos três regimes do sistema de previdência brasileiro, mais diretamente nos dois regimes públicos e obrigatórios, o Regime Geral de Previdência Social – RGPS e o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS, e indiretamente no Regime de Previdência Complementar, privado e facultativo.

A necessidade de reforma não é exclusividade do Brasil. Como demonstra COSTANZI (2016), todo o mundo passa ou já passou por ajustes e aperfeiçoamentos para manter o equilíbrio e a sustentabilidade dos seus sistemas previdenciários, tendo como grande desafio a busca de alternativas para que a sociedade possa suportar o ônus do financiamento desses sistemas, sem deixar de apoiar os seus membros em momentos de incapacidade laboral que os impeça de buscar o seu sustento, seja por idade avançada, doença ou acidente.

No entanto, como esclarece, as rápidas mudanças demográficas, avanços tecnológicos e ganhos de qualidade de vida, nos impuseram experimentar os impactos dessas mudanças em menos da metade do tempo em que elas ocorreram em outros países. Isso nos impõe a responsabilidade de agir com celeridade para preparar o futuro, não protelando decisões ou postergando ações cujos impactos são grandes e de difícil aceitação por muitos.

A proposta de reforma da previdência brasileira é necessária e fundamental para a sociedade, para as finanças públicas, para o Brasil. Não são propostas agradáveis, mas são necessárias para o futuro da nação e seus reflexos serão sentidos pelos nossos descendentes.

Na linha de ajustes e aperfeiçoamentos no Regime de Previdência Complementar – RPC, o último movimento inovador ocorrido foi a instituição do Regime pelos Poderes da União e dos Estados, cujos planos de benefícios contam hoje com mais de 74,7 mil servidores participantes. No entanto, é preciso continuar esses ajustes, possibilitando que os demais entes federativos, com menor escala econômica, possam adotar a solução que tem se mostrado acertada com a instituição do regime de previdência complementar para seus servidores.

O Projeto de Emenda Constitucional – PEC, inicialmente proposto, retirava a exigência da natureza pública das Entidades Fechadas de Previdência Complementar - EFPC poderem administrar planos de entes da administração pública direta, autárquica e fundacional. Assim, as 308 EFPC existentes poderiam se preparar e atuar como entidades multipatrocinadas para administrar planos mais simples, flexíveis e adequados a realidade daqueles entes da administração pública que possuem escala reduzida para operar os planos e Entidades do RPC.

O relator da PEC, em seu substitutivo, incluiu a necessidade dos entes públicos realizarem certame licitatório para a contratação de EFPC multipatrocinadas para administrar planos por eles patrocinados, bem como para a contratação de Entidades Abertas de Previdência Complementar – EAPC à exceção de entidades criadas por eles exclusivamente com esse objetivo.

Em que pese haver a elevação de exigências em relação à proposta original, bem como a sua ampliação para as EAPC, essa exigência pode ser vista como a aplicação do princípio da concorrência, consagrada em segmento econômicos regulados, e da economicidade aplicável aos entes públicos, em substituição a exigência da natureza pública que, no caso da União e de outros entes federados que já instituíram suas entidades, transforma as EFPC em quase entes públicos, em conflito com a natureza privada prevista na constituição.

Percebe-se na proposta que se abre um bom espaço de crescimento para o segmento fechado que, sem dúvida, administra os planos de forma transparente, com menor custo e maior benefício para o participante, principal beneficiário do regime, e que ainda tem a oportunidade de participar da governança das EFPC, que são administradas na forma análoga a um “condomínio social” (BALERA, 2006, P. 25) atendendo ao disposto nos parágrafos 1º e 6º do art. 202 da Constituição Federal, de 1988, o que não é oferecido pelas entidades abertas.

“Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

§ 1° A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. (grifo nosso)

(...)

§ 3º É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. (grifo nosso)

§ 4º Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada. (grifo nosso)

(...)

§ 6º A lei complementar a que se refere o § 4° deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação. (grifo nosso)”

Outro aspecto relevante é a vedação de aporte de recursos, salvo na condição de patrocinador, limitada à proporção paritária, disposta no § 3º do citado artigo, acima, pois a condição de patrocinador é claramente conceituada no artigo 31, inciso I, da Lei Complementar nº 109, de 2001.

“Art. 31. As entidades fechadas são aquelas acessíveis, na forma regulamentada pelo órgão regulador e fiscalizador, exclusivamente: (grifo nosso)

I - aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, entes denominados patrocinadores; e (grifo nosso)

(...)”

Parece-nos haver uma vinculação direta entre planos administrados por entidades fechadas e os patrocinadores públicos da administração direta, indireta, autárquica e fundacional, exigindo a Constituição que essa relação fosse regulada por lei complementar específica, o que vincula a administração pública aos ditames da lei e ao princípio constitucional da legalidade.

No entanto, no âmbito das empresas e trabalhadores do setor privado, o último plano patrocinado foi instituído em 2005. A partir daí, ou seja, há mais de uma década, não se percebe o interesse das empresas em patrocinar planos, nem tampouco o interesse dos seus colaboradores em negociar tal benefício em seus acordos.

Pesquisas realizadas pela antiga Secretaria de Políticas de Previdência Complementar - SPPC e pela Associação Brasileiras das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – Abrapp, apontam para o excesso de burocracia e a pouca flexibilidade, aliados ao interesse por incentivos mais efetivos e o desconhecimento do Regime, como as principais causas pela não opção pelo segmento.

Assim, o segmento operado pelas entidades fechadas está estagnado e em processo de desacumulação. Hoje, os planos mais antigos, na modalidade Benefício Definido – BD, já se encontram num estágio de maturidade, pagando mais benefícios do que recebem de contribuições e passando a realizar ativos para honrar seus compromissos. Essa situação vai determinar, em 2017, a realização de ativos da ordem de R$ 30 bilhões. Tais planos representam cerca de 30% do total de planos e um patrimônio aproximado de 67,6% do patrimônio total dos 1.092 planos em operação.

“Há apenas uma maneira de não receber críticas, não faça nada, não diga nada, não seja nada.”
(Aristóteles)

O volume de resgates por desligamento do plano já soma, em maio de 2017, mais de R$ 620 milhões contra R$ 740 milhões em todo o ano de 2016. Esse desembolso, aliado a realização dos ativos para pagamento de compromisso, tem levado, em especial as EFPC com planos BD, a ter um perfil de curto prazo nos seus investimentos, contrapondo-se às características dos investidores institucionais e pondo em discussão os incentivos tributários concedidos ao segmento e o caráter de instrumento de acumulação e formação de poupança privada.

Pela tabulação das informações fornecidas pelas entidades percebe-se um deslocamento dos participantes das faixas com idade mais baixa para as de idade mais elevada nos planos das entidades fechadas. Este movimento nos revela o envelhecimento da atual massa de participantes sem que novos participantes entrem no Regime.

Como consequência, teremos, à medida que as pessoas se aposentam e vão recebendo os benefícios contratados, a realização de ativos para pagamento de benefícios sem que haja a entrada de novos recursos, em volume suficiente, para manter ou elevar a poupança previdenciária privada que justifica, em última análise, a oferta de tratamento tributário diferenciado aos participantes e entidades fechadas. Assim, perdem os participantes e assistidos, e as entidades, que podem ter tal tratamento questionado, como o Estado que vê reduzida a capacidade de as entidades investirem em setores relevantes da economia brasileira, bem como poder figurar como um instrumento importante para o financiamento de sua atividade.

A reforma indica claramente que a figura do Estado provedor está sendo questionada e chama todos à responsabilidade de refletir e planejar o futuro. As regras propostas na PEC 287 e seu substitutivo significam a revisão das regras de concessão, alongamento de prazos de carência e de permanência no Regime como contribuinte para o gozo de benefício.

A convergência de regras entre os regimes públicos e obrigatórios, o cálculo racional e técnico dos benefícios dando maior peso a quem contribui por mais tempo e as regras de atualização dos benefícios criarão uma demanda por renda adicional para aqueles que optarem por receber os benefícios pelas regras mínimas.

Assim, trabalhadores e os futuros pensionistas buscarão no mercado de previdência privada a solução mais adequada às suas necessidades. As novas gerações de trabalhadores tenderão a buscar veículos de poupança e investimento que lhes proporcione renda adicional, proporcionando um futuro mais confortável e seguro, em substituição aos níveis de benefícios antes oferecidos pelos regimes públicos e obrigatórios.

Essas futuras gerações têm expectativas e interesses diferentes daqueles trabalhadores que, há 40 anos, ingressaram no regime de previdência complementar, cujos planos eram praticamente clones dos planos ofertados pelo regime público existente (administrado pelo antigo INPS), mas que sofriam o efeito da capitalização exigida para o regime complementar.

Flexibilidade, diversificação, liberdade de escolha e rapidez são características que marcam essa geração em tudo o que fazem e atuam. Não gostam que lhes indiquem o caminho, eles querem, por si só, decidir o que é importante para eles, e não hesitam em quebrar paradigmas. São individualistas e seu contato com os meios eletrônicos de comunicação e trabalho são fundamentais para o seu dia a dia.

Não há dúvidas que sua forma de lidar com os riscos e as incertezas do futuro, suas expectativas com relação ao trabalho e realização são muito diferentes das gerações que hoje estão aposentadas, ou prestes a aposentar nas entidades fechadas. O que o regime de previdência complementar vai oferecer a eles? Será que as atuais soluções serão adequadas? Serão aceitas?

As respostas a tais questões são fundamentais para o futuro do regime e aquele segmento que estiver mais bem preparado, tiver feito o seu dever de casa, será o destino dos recursos dos futuros trabalhadores que buscam renda adicional e que forem incentivados a poupar e planejar o seu futuro.

Neste cenário, as soluções previdenciárias decorrentes do enfrentamento dos desafios de garantia da sustentabilidade do Regime, de elevar o nível de poupança privada, de tornar o regime mais atrativo e adequado às novas gerações de trabalhadores e às novas disposições que regulam o sistema previdenciário brasileiro, garantirão uma vantagem competitiva e estratégica à futura previdência complementar e aos seus operadores.


Paulo Cesar dos Santos é servidor público federal, Especialista em Regulação de Serviços Públicos de Telecomunicações, bacharel em ciências econômicas com especialização em Administração Financeira - FGV, Gestão Atuarial e Financeira - Fipecafi/USP, Gestão Pública – Enap, Direito Civil – Unyleya, concluindo o MBA em Regulação – Unyleya. Atualmente exerce o cargo de Subsecretário do Regime de Previdência Complementar da Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda, e atua como Presidente da Câmara de Recursos da Previdência Complementar – CRPC e Presidente da Comissão Permanente de Fundos e Planos de Pensão da Organização Iberoamerica da Seguridade Social - OISS.

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